Por: CARLOS ROSA MOREIRA
29/09/2024
07:38:56
VENTO SUDOESTE
...Vinham fortes, violentas, parecendo um pesadelo. O vidro encurvava-se, as madeiras estalavam. Nem sempre foi possível detê-lo. Como hordas de feros aqueus, suas rajadas invadiram minha cidadela. E naquele tempo não houve portas, não houve janelas.
Às vezes acontece. Surpreende-nos desarmados, até mesmo receptivos. Açoites a maltratarem a alma e o corpo, tornando-se este triste consequência da agonia da alma.
Hoje à tarde, com o tempo firme e o horizonte limpo, caminhando à beira-mar, antes de vê-lo, eu o senti. Percebi um sopro ligeiro. Sutil, passou por mim e buliu com as amendoeiras. O ar parou, mas só por instantes. Ao longe, no mar, um encrespado deu às águas uma coloração tom sobre tom. Novamente veio o sopro, mais forte, dessa vez como se falasse. Tudo se agitou. “Lá vem ele”, pensei. Em
segundos o mar ficou de um só tom. Numa razia ele tomou a superfície das águas,
escurecendo-a, avançou terra adentro, derrubou uma criança de sua bicicleta,
levou folhas, galhos e coisas pelos ares, fez todos procurarem abrigo.
Eu o encarei, pois andava de encontro a ele. Sou um marinheiro de longo curso, um andarilho de muitos caminhos. Ria, batia palmas, saudava-o, pois é belo. Não há como não reconhecer a beleza, mesmo naquilo que é terrível. E beleza hipnotiza, por isto eu o festejava. Quem passava devia achar-me louco, assim a falar para o vento.
─ Vem, seu puto! Que espetáculo... Que espetáculo!
Recebia suas rajadas no peito, ouvia seu inconfundível rumor: ataca, finge retroceder, ataca com mais furor. Eu sorria, às vezes gargalhava, vendo-o como algo apenas banal, uma força da natureza, sazonal e comum.
─ Bate, vento, bate! E sorria.