Por: CARLOS ROSA MOREIRA
01/10/2024
15:09:27
HISTÓRIAS
...O lavrador dava um duro danado no campo e mais duro ainda
para vender o que plantava. Então resolveu deixar de ser lavrador. Colocou um
balcão na frente da casa, botou letreiro, fez mais um quarto de pau a pique com
cama e colchão. O filho o ajudava na venda de comida e bebida. As mulheres
cozinhavam e faziam qualquer outra coisa que precisassem fazer.
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Contou-me um velho tratorista:
Na África, onde havia trabalhado, a maior beleza era apreciar os animais. Tristezas havia muitas. Uma delas era ver prisioneiros trabalharem forçados debaixo de pancadas e, na única refeição do dia, comerem com as mãos, famintos. acocorados em torno de um caldeirão de comida. Ainda era triste a falta de mulher. Mas souberam de um prostíbulo num casebre não muito distante. Bateram à porta. Atendeu um negro velho, baixo, sério, meio encurvado, de carapinha branca e escleróticas amareladas. Nada precisou ser dito. Ele sabia o que os estrangeiros queriam. Fez um gesto para esperarem. Minutos depois reapareceu e os chamou. Afastou um pano que fazia de porta. No quartinho sem janela, sobre a cama estreita, uma negrinha de uns catorze anos. Estava encolhida a um canto, vestia uma espécie de sarongue e tinha os olhos assustados. Os dois olharam aquilo, se entreolharam, deram algum dinheiro ao homem e saíram.
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Contou-me o velho pescador de Angra:
Certa noite, de lua mansa e mar pacifico, ele retornava
para casa em sua canoa. Naquele trecho as ilhas eram desabitadas. Não se via
uma só luzinha, nem mesmo outros pescadores ao largo. Mas viu numa praia dois
vultos que se chocavam. Tomavam pequenas distâncias e corriam de encontro um do
outro, batendo peito com peito. A cada choque despediam faíscas coloridas.
Lembravam pássaros e tinham a altura de um homem. Ele ficou aterrorizado.
Pediu a Jesus, São Pedro e Nossa Senhora que o protegessem. E remou a canoa ao ritmo das batidas de seu coração.
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Contou-me o velho soldado:
Seu amigo e ele comiam a ração sentados na beira da trincheira. Houve um sibilo, seguido de zumbido de inseto dentro do capacete do amigo. Ficaram ambos feito estátuas. O zumbido não parava. Aquele inseto mortal girando, girando, arranhando o aço do capacete. O amigo congelado, olhando fixo à frente. Então o zumbido tornou-se rascante, e mais e mais até que a bala, sem força, despencou para dentro da camisa do amigo.
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E contou-me o velho senhor, apaixonado pela esposa:
Ele pedia a Deus, todos os dias, para a morte
surpreendê-los juntos. Ou então, que fosse ele primeiro. Mas ela se foi,
deixando-o só no mundo, sem filhos, sem parentes. Todos os dias ele ia ao
cemitério. Às vezes comia seu frugal almoço junto à tumba. Certa vez o
encontrei a caminhar curvado e devagar, como de costume em direção ao
cemitério. Cumprimentei-o:
— Bom dia, como vai o senhor? Como está indo?
- Estou... Estou indo... pra casa.